quinta-feira, 10 de abril de 2008

Alimentos Funcionais: A reedição de um antigo conceito


Terminologia e Conceitos:
Nos últimos anos, além de evidências epidemiológicas vêm se associando pesquisas bioquímicas e clinicas que mostram a presença em alimentos, de componentes químicos que podem ter ação biológica, importante na manutenção da saúde da ação, além dos nutrientes conhecidos e com as necessidades diárias já estabelecidas.
Assim, está muito em voga atualmente, o conceito de alimento funcional, que pode ser descrito como alimento capaz de produzir demonstrados efeitos metabólicos ou fisiológicos úteis na manutenção de uma boa saúde física e mental, podendo auxiliar na redução do risco de doenças crônico-degenerativas, além das suas funções nutricionais básicas.
No Japão, fala-se, ainda, em função terciária dos alimentos: a primária seria a função organoléptica; a secundária, nutricional; e a terciária, aquela associada à manutenção de uma saúde ótima e à prevenção de doenças futuras.
Complementando a definição pode-se falar em ingrediente funcional, que seria o composto responsável pela ação biológica contida no alimento. Estes ingredientes ativos são chamados também de fitoquímicos, compostos bioativos e ainda nutracêuticos.
Estes conceitos alem das obvias repercussões sobre a saúde dos indivíduos e populações esta fazendo também com que ser revise uma serie de conceitos referentes ao estabelecimento das necessidades e recomendações nutricionais. Passamos da idéia de nutrientes para prevenir ou combater deficiências nutricionais para nutrientes (e outros compostos bioativos) para promoção da saúde.

Alimentos funcionais através dos tempos
Este conceito aparentemente tão moderno e revolucionário que é a idéia de modulação de função metabólica, com reflexo na saúde pela alimentação, não é, na verdade, novo. Novo é o interesse de buscar e explorar mais amplamente esse potencial e o tratamento científico e legislativo dado hoje à questão.
No entanto, este conceito já existe há pelo menos alguns milhares de anos. As antigas culturas chinesa, indiana, egípcia e grega em particular, trabalhavam muito com o conceito de comida-remédio ou de alimentos terapêuticos, atribuindo propriedades preventivas e/ou curativas a quase todos os alimentos, bem como reconhecendo as condições adequadas de preparo e consumo dos mesmos.
Os chineses e indianos tinham diversas classificações sobre os alimentos que os ajudavam a definir que alimentos utilizar ou evitar em determinadas situações(para saber mais veja o texto sobre dietoterapia chinesa). Também os gregos, inclusive Hipocrates e galeno, utilizavam amplamente alimentos na sua prescrição diária para diversos males.

Compostos bioativos encontrados em alimentos
Hoje uma serie de substancias estão sendo classificadas como ingredientes funcionais. Algumas delas são nutrientes já reconhecidos como tal, outras parecem não ter função nutriente, mas são extremamente importantes para a saúde humana e estão sendo pesquisados intensamente em todo o mundo:

Carotenóides: pigmentos responsáveis pelas cores alaranjadas dos vegetais, compreendem um grande número de compostos muitos dos quais com atividade biológica. Alguns, como o b-caroteno, são pró-vitaminas A (transformam-se em vitamina A no organismo). Outros não são precursores de vitamina A, mas agem no organismo como antioxidantes, na eliminação de radicais livres, e pesquisas recentes vêm sugerindo sua possível participação na prevenção ou controle do câncer de próstata. Outros, ainda, como a luteína e zeaxantina, carotenóides encontrados no espinafre, no brócolis e no milho, concentram-se no olho, e parecem ter papel de prevenção da degeneração visual que ocorre com o envelhecimento. Outro carotenóide que esta sendo muito estudado é o licopeno, que dá cor vermelha aos alimentos como melancia e tomate. Ele pode ser usado com antioxidante, prevenindo câncer e reduzindo a incidência de tumores mamários, digestivos e câncer de próstata. Também protege o sistema cardiovascular.

Flavonóides: substâncias presentes em frutas e vegetais, responsáveis pelas cores vermelhas, roxas e amarelas e são, como os carotenóides, também ativos, em graus variáveis, contra radicais livres, os quais, por sua vez, podem estar associados a doenças cardiovasculares, câncer, envelhecimento e outras. Alguns flavonóides têm ações específicas que vão além da ação antioxidante. É o caso das isoflavonas da soja, principalmente a genisteína e a daidzeína. Essas substâncias têm uma ação estrogênica fraca, ligando-se a alguns receptores celulares desses hormônios, ocupando-os e competindo com o 17-b-estradiol. Assim mantém-se as funções hormonais favoráveis no coração e ossos, mas reduz-se a ação hormonal na mama e no útero, que podem levar ao câncer. Tem também papel antioxidante.

Compostos sulfurados (ricos em enxofre): conhecidos como glicosionolatos, têm, também, propriedades metabólicas interessantes. Estão presentes nas plantas do gênero brassica (couve, repolho e brócolis), existem No fígado, eles participam do sistema de enzimas que facilitam a eliminação ou inativação de substâncias tóxicas e/ou carcinogênicas.

Oligossacarídeos: os fruto-oligossacarídeos (FOS) são os mais conhecidos e estudados, também identificados como pré-bióticos. São substâncias que não são digeridas no intestino por ausência de enzimas específicas, mas, nas porções finais do intestino, são metabolizadas pelas bactérias, com produção de ácidos orgânicos de cadeia curta (acético, propiônico, butírico), os quais têm diversas funções benéficas, locais e sistêmicas. Dessa fermentação resulta uma condição físico-química benéfica ao intestino que facilita o desenvolvimento de bactérias úteis como lactobacillus e bifidobactérias. Os ácidos orgânicos produzidos, por sua vez, podem agir nas células do intestino alterando fazendo com que vivam mais, e no fígado, na síntese do colesterol. Acumulam-se também evidências de efeitos positivos no desenvolvimento e controle da imunidade a nível intestinal.

Probióticos: que são microorganismos vivos, como bifidobactérias ou lactobacilos. Em alguns produtos têm sido associados os probióticos com os pré-bióticos (como fruto-oligossacarídeos), constituindo-se os simbióticos. A idéia é de ter-se uma ação sinérgica, fornecendo ao mesmo tempo no intestino bactérias desejáveis com o substrato para o seu fácil desenvolvimento e ação. De qualquer forma, a idéia é de que essas bactérias benéficas se oponham a outras menos desejáveis, causadoras de doenças, sendo essencial, para isto, que cheguem viáveis ao intestino, onde devem se multiplicar. Produtos com bactérias mortas como iogurtes pasteurizados) não têm o mesmo efeito.

Aminoácidos: nutrientes constituintes das proteínas, alguns aminoácidos tem sido reconhecidos como ingredientes funcionais. O triptofano e a tirosina formam a serotonina e as catecolaminas, respectivamente, relacionadas com a depressão e a ansiedade.
Ácidos graxos: em especial da serie Omega 3 tem sido amplamente estudados pois além de fornecerem energia, formam as membranas celulares e conduzem os impulsos nervosos, modulando a atividade cerebral.
Assim, alguns alimentos tem sido amplamente recomendados pelo seu alto conteúdo de ingredientes funcionais, principalmente a soja, a abóbora, a linhaça, o alho, a cebola, o brócolis, entre outros.

Uso dos alimentos funcionais X ingredientes funcionais isolados

Uma grande questão que se coloca frente a estas descobertas é a questão da escolha entre os alimentos que possuem ingredientes funcionais ou o consumo de ingredientes funcionais isolados a partir destes alimentos. Esta polêmica surgiu em grande parte a partir da grande quantidade de produtos isolados de isoflavonas da soja diante do reconhecimento de seus efeitos terapêuticos, em especial na questão da reposição hormonal.
Algumas questões devem ser esclarecidas sobre este assunto. Em primeiro lugar, deve-se pensar que a ação de um alimento se dá através da interação entre seus componentes, nutrientes e fitoquímicos. Alguns destes componentes, inclusive podem permanecer ainda desconhecidos, e por isso, não serem levados em consideração na elaboração de complementos alimentares. Desta forma, quando se isola um dos componentes do grande complexo de substância que é um alimento se corre o risco de ter uma ação diferente da que ele tinha dentro da estrutura do alimento, o que gera risco de efeitos colaterais indesejáveis. Já que tocamos na questão da soja, já se fala hoje em efeitos colaterais das isoflavonas isoladas, semelhantes, embora mais fracos que os da reposição hormonal química. Estes efeitos colaterais não são encontrados com o consumo da soja com alimento.
Outra questão importante é observar a forma que o alimento deve ser consumido para ter os efeitos terapêuticos bem aproveitados. Toda a pesquisa a partir da soja começou a partir da constatação que as mulheres orientais não sofriam tanto quanto as ocidentais no período da menopausa. Após diversas investigações se descobriu que o fator preponderante para isto era o grande consumo de soja por estas mulheres. Daí começou um grande boom de recomendação de produtos de soja tais como leites e sucos a base de soja, soja em grão e proteína texturizada de soja. Produtos que podem ter efeitos ate opostos aos desejados pelas pessoas que os procuram, como, por exemplo, aumentar a tendência a osteoporose pelo excesso de acidez. O que não se observou foi a forma como a soja é consumida por estas populações e porque.
A soja é um alimento extremamente nutritivo, mas de difícil digestão e repleto de fatores antinutricionais. Por isso, para aproveitar os seus benefícios sem estes problemas os orientais desenvolveram uma serie de produtos de soja, aonde as suas qualidades terapêuticas são realçadas e as suas características inadequadas neutralizadas ou minimizadas. Estes produtos em geral são feitos a partir da coagulação do leite (tofu-queijo de soja) ou a partir da fermentação dos grãos de soja associados com outros ingredientes (misso, shoyu, nato, tempeh). São estes os produtos de soja consumidos no oriente que fazem com que as mulheres de lá tenham uma menopausa mais tranqüila. Uma outra questão é a questão do tempo de utilização. As mulheres orientais têm menos problemas na menopausa por que consomem estes produtos de soja (entre outros fatores) desde a mais tenra infância, e não apenas depois que já começam a surgir os sintomas de distúrbios relacionados com a falta de hormônios.
Para finalizar, é importante, gostaria de reforçar a questão da qualidade do alimento que contem ingredientes funcionais: vale a pena estimular o consumo de alimentos à base de soja, por conterem isoflavonas, que estão cheios de aditivos e corantes? Vale a pena estimular o consumo de tomate, por causa do licopeno, sabendo que o tomate é uma das culturas mais carregadas de agrotóxicos?
Todas estas questões não são para diminuir a importância das descobertas e pesquisas sobre alimentos funcionais, mas sim para que coloquemos a utilização destes dentro de um contexto de uma alimentação mais saudável como um todo e de uma vida com mais qualidade. Os alimentos funcionais são o resgate moderno da antiga frase de Hipocrates, faça do teu alimento teu remédio. Mas para ser remédio de verdade uma serie de questões devem ser levadas em conta e não apenas a presença ou não de ingredientes funcionais.
Nos vivemos hoje numa cultura muito imediatista e consumista que quer resultados ultra-rápidos e consumir aquilo que está na moda (seja roupa, alimento ou remédio). Precisamos questionar esta cultura e perceber que a saúde se constrói através de um conjunto de ações que elevem a qualidade de vida e não apenas através do consumo intensivo (e às vezes exagerado) de algum alimento em especial.

Fonte: Nutrans - Instituto Transdisciplinar de Nutrição

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